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Professor Seráfico

Aumenta o número de analistas, comentaristas, especialistas em Economia que se mostram perplexos com as decisões de Donald Trump. Todos são incapazes de encontrar a lógica dessas decisões, ainda que boa parte deles ache que elas têm um propósito. Geralmente, a hipótese vai na direção dos interesses egoísticos, e nem sempre lícitos, do inquilino da Casa Branca. Talvez alcance o nível da generalização a suspeita de que a América Grande, tão repetida no discurso do Presidente norte-americano entra em choque com o desastre que ele mesmo provoca na economia de seu país. Isso, inclusive, deu razão aos que veem Trump como o personagem de ficção Nikita, mandado da União Soviética para os Estados Unidos da América do Norte. Para esse espião, o american dream consistiria em destruir o capitalismo por dentro. Quando se analisa com mais cuidado a atuação de Trump, não há como excluir certas variáveis aparentemente afastadas das considerações mais frequentemente divulgadas. Uma delas, o reconhecimento, por Trump e as elites de seu país, do processo de desmanche do império mais poderoso da Idade Contemporânea. Outra, a ameaça que o BRICS representa, sobretudo quando traz para a pauta das discussões a criação de uma nova moeda, concorrente do dólar. A Trump, vendo o mundo por ele sonhado desmanchar-se no ar, na terra e na água, como tudo o que é sólido, barco perdido deve ser bem carregado. O maior perigo está no botão detonador da guerra nuclear, ao alcance de suas mãos. Nagasaki e Hiroshima não podem ser esquecidas.

fonte:https://www.nagavea.com.br/post/o-barco-e-sua-carga

Publicado: 06/04/2025

Início referindo-me, primeiro, às exceções. Constituem-na aqueles poucos estudiosos, políticos, militantes, lideranças, jornalistas que admitem a possibilidade de mudar profundamente a realidade social do Brasil. Depois, manifesto meu cansaço com a impermeabilidade das elites brasileiras a qualquer ideia ou proposta que atinja ao menos parcialmente, a desigualdade social. Limito-me a mencionar apenas um exemplo, a rejeição do projeto que pretendia promover a taxação das grandes fortunas, no Congresso Nacional. Algo quase concomitante com a identificação de recorrente escassez de recursos públicos à altura de financiar programas que, em outros países, contam com volume substancial, tantas vezes de exclusiva responsabilidade do Erário. Isso, quando todos apontam o dedo para a decadente qualidade dos serviços públicos de saúde, educação, alimentação, segurança, habilitação, saneamento e... Aí, o foco é sempre posto na remuneração dos servidores públicos, como se o exagero remuneratório constituísse a regra, não a exceção. Neste particular aspecto, vê-se, não obstante o esforço por oculta-lo, o interesse em reduzir o tamanho do estado. E, à frente, a quase certa destinação dos recursos eventualmente poupados, para os gulosos cofres privados. Neste caso, os setores empenhados na redução do aparelho burocrático nacional sequer atinam com a qualidade dos serviços e quanto essa circunstância tem a ver com as más condições de trabalho, a deterioração de instalações e desatualização de equipamentos, a injustiça remuneratória etc. Há certa lógica nessa posição, diante do fato de que as elites têm como pagar os altos preços cobrados por hospitais, escolas, unidades residenciais em bairros e condomínios bem servidos e agências de segurança residencial e patrimonial. Sem dar atenção, sequer, para outro fato nada excepcional, qual seja a concessão de favores chamados incentivos fiscais, de toda ordem a esses segmentos. Da injeção de recursos provenientes de agências oficiais, dos subsídios conferidos a iniciativas que quase não contam com expressiva contribuição financeira privada, até o perdão de dívidas, total ou parcialmente, contraídas por esses beneficiários junto ao poder público. Sem sequer serem impostas restrições àqueles inadimplentes, além de práticas conhecidas e nem por isso ausentes da justa repressão e punição. Sonegação e corrupção ativa são algumas dessas práticas, tão evidentes como propositalmente afastadas da mesa da,quase totalidade dos debates, onde quer que eles ocorram. A negação de uma alternativa, portanto, inclui-se no cardápio negacionista, transformado em mantra e dogma. A tal ponto, que leva à contradição fundamental: o livre arbítrio, aquele que trata da vontade em seus níveis individual e coletivo, não vale, sempre que enfrentar a suposta força do deus mercado parece impossível. Junto com esse dogma, caminha a dúvida sobre a inteligência dos animais ditos superiores.

fonte:https://www.nagavea.com.br/post/superioridade-a-confirmar

Publicado: 02/03/2025

Buscar entender a atual conjuntura mundial e apreciar as decisões e bravatas de Donald Trump, como se o cenário fosse igual ao da fase anterior da guerra fria, a globalização fosse uma tendência em baixa e o BRICs inexistisse, é despropositado. Isso até pode interessar ao Presidente dos Estados Unidos da América do Norte, cujas dificuldades tendem a crescer, E não, exatamente, porque haja má vontade dos outros países. Outros, imperadores ou pretensos imperadores, passaram por experiência semelhante, ao longo da História. Não há exceção quanto ao fracasso das tentativas de manterem seu domínio sobre extensos territórios e suas respectivas populações. Também é a mestra da Vida (como dela dizia Cícero, I a.C.) quem nos ensina. Há muito se diz que a grande nação do Norte do continente não tem conseguido resistir à pressão de países que não rezam pela cartilha de Monroe, cuja doutrina alimentou a arrogância e a belicosidade dos governantes que se vêm sucedendo, para além do rio Grande. Da palavra de ordem imperial, enunciada em 1823 - a América para os americanos -, republicanos e democratas, indistintamente, não se puseram no Mundo de forma diferente. A queda do muro de Berlim, e logo após, a implosão da União Soviética, saudada com estrépito pelo chamado Ocidente, trouxe consequências, algumas boas, outras, más, em escala global. Uma delas, o abandono da guerra fria, que impediu - nem sempre por boas razões - a eclosão da terceira guerra mundial. Outro fenômeno impulsionado pelo esgarçamento das fronteiras entre países, em que o tráfego veloz dos capitais é marcante, foi a crescente globalização da economia. E de tudo quanto costuma acompanha-la. Também o empenho em manter conflitos internos nos países de sua área de influência, pressionados pelo complexo industrial-militar identificado pelo general Dwight Eisenhower, desviou os Estados Unidos da América do Norte do caminho que vinha trilhando até então. As sucessivas crises que afetaram o país do descendente de imigrantes Trump devem-se, em grande medida, à distração de sucessivos governos. A tal ponto, que a dívida dos Estados Unidos da América do Norte é, hoje, a maior de quantas registram os demais países. É a maior dívida pública (US$ 36 trilhões, em 17-01-2025), a que se seguem as do Reino Unido, da França e da Alemanha. Todas, nações capitalistas e ocidentais. Resumindo: as preocupações de Trump e as bravatas de que ele tem recuado repousam em fatos alimentados pelo propósito imperialista da nação que ele agora volta a presidir. Nem precisa que se diga ser o BRICs outra pedra no sapato do Presidente norte-americano. Se a dor ensina a gemer, não é verdade menor dizer que a dor também leva à insanidade. Já pensaram todos os que se preocupam com o destino da humanidade e do Planeta, o que é a dor, quando ela dói em quem pode apertar um botão capaz de extinguir a Terra?

fonte:https://https://www.nagavea.com.br/post/o-inimigo-da-humanidade-e-suas-razões

Publicado: 06/02/2025

Mesmo sendo uma espécie de capitalismo, o capitalismo de estado, é da China que têm vindo ideias e projetos que podem reduzir o ímpeto e a voracidade do capitalismo, dito selvagem por redundância. Cientistas e pesquisadores chineses entregam-se, agora, a projeto que fornecerá energia solar capaz de abastecer todo o Planeta. A instalação de usinas no espaço captaria a energia que vem do sol, correspondendo a toda a reserva de petróleo contida na Terra. Problemas na transmissão são os que mais preocupam, atualmente, os cientistas, pesquisadores e governantes daquele país. Em 2035 a usina estará funcionando, segundo o esperado. O anúncio vem, quando é divulgada uma resposta de Jimmy Carter, em que é dada ênfase às relações do governo norte-americano com o governo da China. O Ex-Presidente morto aos 100 anos trabalhou pela paz, a ponto de ser laureado com o Prêmio Nobel. Trump, ninguém ignora, empenha-se em guerra. Contra tudo e contra todos

fonte:https://www.nagavea.com.br/post/mais-uma-da-china

Publicado: 18/01/2025

Nasce o ano. No saco de esperanças desprendido do trenó imaginário amarram-se em feroz disputa sonhos mágoas ressentimentos frustrações...

fonte:  https://www.nagavea.com.br/camarote

Publicado: 02/01/2025

Sem surpresa

A cada nova notícia sobre o relatório ontem enviado pela Polícia Federal ao STF, confirmam-se suspeitas divulgadas neste blog. A principal delas, a de que a atuação do ex-Presidente da República preencheria todo um extenso curso de Direito Penal. Agora, 884 páginas contêm tópicos do programa desse curso, com a vantagem de acrescentar à bibliografia costumeira em documentos pedagógicos que tais, a própria substância factual dos assuntos tratados. Não há, contudo, a menor razão para surpresa. Pelo menos nas últimas quatro décadas, o que se sabe da vida do principal indiciado sugere concluir que de onde se pode esperar, daí algo virá. A cada fase de sua vida de aventuras, bravatas e agressões à democracia e ao sentimento humanitário, o articulador e potencial beneficiário do frustrado golpe de Estado mostrou-se inovador. Tanto, que é o mais amplo que se pode imaginar o rol de atos ilícitos de que se recheia o curso de Direito Penal anteriormente mencionado. Desde o planejamento da explosão do sistema de abastecimento de água da cidade do Rio de Janeiro até as revelações trazidas ao conhecimento público esta semana, somaram-se outros crimes. Nem todos dirigidos ao mesmo objeto, mas sempre tendo o objetivo comum: a manutenção no poder. Ataques terroristas contra as sedes dos poderes constituídos; depredação de bens do patrimônio público; rachadinhas de dinheiro público; espionagem e rastreamento de inimigos selecionados; apropriação, resgate com recursos do Erário e tráfico de jóias; articulação e comando de organização criminosa - são alguns dos tópicos descritos nas leis penais, relacionados à demeritória vida da súcia a que o Supremo Tribunal Federal dará o destino merecido.

fonte:  https://www.nagavea.com.br/post/sem-surpresa

Publicado: 24/11/2024

Falta-me saber

Sei pouco sobre Economia, quase o mesmo que pensam saber muitos dos que passaram pelo curso de formação desses importantes e indispensáveis profissionais. Diferente deles, advirto do equívoco cometido os que me têm por colega de Celso Furtado, Pedro Malan ou Roberto Simonsen. Ou de Adam Smith, Piketty e Hyeck. Não arrisco incursionar em terreno que mal conheço, a despeito de ter frequentado curso da antiga CEPAL. Além de outros, na área econômica. Conhecidos os meus limites, a ignorância quanto aos números sobretudo, sou tomado de imensa perplexidade, quando defronte de contradições produzidas mais na mente dos ditos estudiosos, que na realidade observada. Impacta-me, em especial, o que meus olhos veem, os ouvidos escutam, o paladar saboreia, o tato capta e as narinas aspiram. Desse contato pessoal, cotidiano, impositivo, colho o material que minha mente processa. E registra, em memória até aqui preservada. Vez por outra, cometo a imprudência de levar a público o juízo feito à base da realidade percebida, com a ajuda da leitura - ponham leitura, nisso! - de autores que pensam com a cabeça. Quase sempre, desprezo a leitura feita de obras elaboradas no estômago, fígado e intestinos. Nada recomendo, a propósito dessa escolha. Tenho a minha e por ela respondo. Vem daí minha perplexidade, ao ler ou ouvir o debate sobre as taxas de juros. Enquanto alguns países que se dizem ricos, mas têm dívida superior à riqueza ostentada baixam, reivindica a elite brasileira o aumento de tais taxas. Há os que, lá fora, alegam a necessidade de combater o desemprego e retomar o desenvolvimento. Aqui, reclama-se da desindustrialização e medidas desenvolvimentistas são condenadas. Critica-se a falta de investimentos, ao mesmo tempo promovendo crescente acumulação da riqueza, com o constrangimento dos que mal ganham o necessário a padrões indignos de sobrevivência. Socorram-me os sábios em Economia!

​fonte: https://www.nagavea.com.br/post/falta-me-saber

Publicado: 27/09/2024

A temperatura da vingança

Desde a infância ouço dizer que vingança é prato para ser comido frio. Quando há destempero e pressa do ofendido, este acaba beneficiando o agressor e agravando sua própria situação. A ação de vingança, portanto, varia segundo o grau de percepção do que se quer vingar. Não foi à toa que Dalva de Oliveira interpretou composição destinada a responder a Herivelto Martins, após ter cantado tantas canções inesquecíveis da música popular brasileira. Errei, sim e Tudo acabado entre nós  ainda frequentam meus ouvidos, surdas à perda auditiva ganha nos últimos anos. Porque me lembro de fatos ocorridos quando eu mal entrara no curso primário, hoje integrado pelos quatro primeiros anos da educação básica? Por uma resposta simples e sábia, que só as crianças sabem dar. Desta vez, foi Gael, um sobrinho-neto, quem a deu. Feito o relato da agressão sofrida na escola, a mãe do moleque perguntou: o que você fez, bateu nele? Calmo e sábio! Gael respondeu: não, só amanhã. Mais não disse, nem lhe foi perguntado. Estou quase certo de que, no dia seguinte, o menino já esquecera os fatos da véspera. E seu dia escolar não permitiu instalar-se nos escondidos daquela alma infantil o sentimento que espalha guerra, mundo afora. Quase esqueço de dizer: refiro-me à composição de Lupicinio Rodrigues, Vingança, de 1952.

Autor Professor Seráfico

Publicado: 18/08/2024

Máquina mágica

O garotinho (teria sete anos presumíveis) entrou na sala, ofegante. Descobria-se nele, sem palavra que o dissesse, a ansiedade causada pela perplexidade que o levara ali. Meteu-se no meio do grupo, interrompendo a visita àquela sala do museu de tecnologia. Não se preocupou em falar baixinho. A ansiedade não o permitiria. Juntou-se ao pai, puxando-o pela beira do paletó. Vem ver, pai! Achei uma maquininha que tu nem imaginas. O guia interrompeu a caminhada pela ampla sala, em que as últimas novidades da eletrônica eram apresentadas. Sob os olhares encantados dos visitantes. Aos que estavam reunidos ali interessava, então, saber da descoberta do menino. Voltariam depois para concluir a visita que os encantava. E, quase correndo, todos acompanharam a criança. O guia não se fez de rogado. Foi junto. Não demorou, nem foi além de escassos metros, 50 no máximo, o deslocamento do grupo. A partir daí, conduzido por uma criança vizinha do êxtase. O êxtase da descoberta! Olha aqui, papai! E todos voltaram olhos esbugalhados pela curiosidade. Na direção de uma antiga máquina datilográfica portátil. Se era Hermes, Remington, Lettera - a ninguém interessou saber. Fez-se o silêncio, maior ainda, quando o menino falou: vê, pai, a gente escreve e esta maquininha vai imprimindo. Não precisa mandar para outra máquina, o papel sai pronto. Não é maravilhoso? Os adultos saíram dali cheio de perguntas. E quase se desinteressaram por voltar à sala em que admiravam os mais recentes avanços tecnológicos. O guia não pode dispensa-los. Só depois o pai do menino foi buscá-lo no local de sua importante descoberta.

Autor Professor Seráfico

Publicado: 30/06/2024

Escada  

Impossível sequer imaginar que o cavalo batizado Caramelo tenha usado uma escada, para fugir à fúria das águas do rio Guaíba. É fato porém, que o equino se instalou naquele lugar improvável, até ser resgatado. Não foi, portanto, totalmente desmentida a hipótese por longo período mantida pelo célebre colunista social Ibrahim Sued – cavalo não sobe escada. Todo o Brasil pode condoer-se da situação de Caramelo. O olhar do bicho, pousado sobre as águas barrentas, despertou em cada telespectador uma espécie nova de solidariedade. Quem sabe até, acrescentando uma dúvida no espírito dos que ainda preferem a Vida á morte, o Amor ao ódio. O número e o porte do ser vivo é capaz de influenciar conceitos e desafiar sentimentos. Não sei se cães e cavalos são capazes disso, embora admita que ambas as espécies, caninos e muares um dia terão cumprido a caminhada que nos trouxe dos chimpanzés. Muitos cães foram salvos das enchentes, quase todos os dias em que já dura a tragédia gaúcha. Aqui, uma primeira diferença: o sofrimento individual move e comove mais que a tragédia coletiva. A outra, o tamanho do ser vivo parece tornar mais aparentes os riscos que ele corre. No reino vegetal, a sabedoria popular timbrou sentença raramente contrariada: maior o pau maior a queda. Hospitalizado, o cavalo já ganhou a simpatia dos brasileiros. Algo que nem todos merecem.

Autor Professor Seráfico
Publicado: 12/05/2024

Poeta e cientista.

De Tetsuo Yamane (1931-2022) ouvi algo que me marcou a Vida. Dita em uma solenidade de recepção a novos membros da Academia Brasileira de Ciências, a frase me tem acompanhado e sei que será levada comigo, para sempre. Se a proferisse um artista ou um dos chamados homens de letras, estou certo de que o impacto seria menor. Mas Tetsuo Yamane era um biólogo. Mais que isso – e a frase o diz sem precisar de mais letras -, ele foi um humanista. Dos de melhor cepa! Disse o biólogo e a terão ouvido os que estavam no auditório do INPA, naquela feliz oportunidade: Ciência e Arte buscam o mesmo objetivo – a Beleza! Pus-me a pensar sobre as palavras ditas por aquele sábio homem. Então, veio-me à memória a expressão de um colega dele, o biólogo-compositor-boêmio Paulo Vanzolini (1924-2013). Eis como Vanzolini disse, em seu imortal Samba Erudito:

 

Andei sobre as águas

Como São Pedro

Como Santos Dumont

Fui aos ares sem medo

 

Fui ao fundo do mar

Como o velho Picard

Só pra me exibir

Só pra te impressionar

 

Fiz uma poesia

Como Olavo Bilac

Soltei filipeta

Pra te dar um Cadillac

 

Mas você nem ligou

Para tanta proeza

Põe um preço tão alto

Na sua beleza

 

E então, como Churchill

Eu tentei outra vez

Você foi demais

Pra paciência do inglês

 

Aí, me curvei

Ante a força dos fatos

Lavei minhas mãos

Como Pôncio Pilatos

 

A vida de um biólogo que merece ser chamada Vida. Não são muitos. Um homem realmente Homem.

Autor Professor Seráfico
Publicado: 05/05/2024

Foi bonita a festa...

...pá! Como teria sido a nossa, depois da longa noite que durou 21 anos.

O exemplo da antiga metrópole não prosperou abaixo da linha do Equador.

 

Baionetas não fazem melhor que cravos. Desde que os cravos não pendurem na cruz.

 

Nem o pau-de-arara se torne o instrumento oficializado.

 

Não se lembra o cheiro de alecrim, quando e onde o cheiro de sangue atrai.

 

Viva o 25 de abril português!

 

Viva o poeta que sabe e vive o nosso cotidiano.

 

E quanto roda viva a vivaz roda da Vida!

Publicado em 28.04.2024

Os outros

Esperta como poucas da mesma idade, a menina não chegara aos três anos, e surpreendia os adultos. As crianças mais velhas também não escondem a surpresa, sempre que observam o desembaraço da pequena. Talvez os pais e a avó, pela convivência diária, se dessem menos conta do à vontade em que a filha e neta sempre se encontra.

 

Esse tipo de aproximação às vezes impede a exata percepção do observador. A normalidade e o cotidiano não favorecem a apreensão mais adequada da realidade. Mesmo o crescimento dos seres humanos se deixa obscurecer em meio à rotina.

As pessoas menos próximas daquela garota ou quem raramente a encontra tinham mais e melhores condições de observá-las. É-lhes mais fácil comparar a pequerrucha com outras de sua idade.

 

A surpresa, portanto, era quase sempre esperada. A menina, mesmo em ambiente familiar ampliado, sempre se mostrou perfeitamente desembaraçada. Quase sempre, em meio a dezenas de pessoas da família, devolve as perguntas como resposta às interrogações com que a desafiam. Nem faltaram vezes em que ela desconcertara avós, tios e primos mais velhos. Respondendo a uma pergunta eventualmente provocadora ou perguntando, ela mesma, algo embaraçador.

 

O interlocutor adulto balança nos alicerces. Foi demais!...

 

Naquele dia a que se refere este relato, a garotinha foi muito mais longe do que já fora. Aberta a porta da casa onde com frequência a família numerosa se reúne, antes de qualquer outra coisa e à constatação de que ali havia umas poucas pessoas apenas, ela disse, do alto de seu desembaraço e sua capacidade de observação: e os outros?

 

E a avó e a tia presentes não puderam esconder a surpresa.

 

Gargalharam.

 

É assim Maria Virgínia.

Publicação 21.04. 2024  

Vida que nunca encontra a morte

Dentre o abundante noticiário feito em torno do chamado Dia Internacional da Mulher, encontro matéria que me chamou a atenção, mais que todas as outras. Refere-se ela à trajetória de uma jovem recentemente aprovada no exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Se é possível ainda hoje a ressurreição, seria pecado mortal ignorar a vida da menina que até os 9 anos de idade morou em um cemitério. Lá, onde são sepultados os mortos, ela não se deixou matar pelo desânimo, nem enterrou seus sonhos. Ao contrário, a jovem advogada enfrentou a expulsão do local em que morava com sua família, como poucas o teriam feito. Deixou para trás aquele ambiente cujas construções, capelas, lápides, sepulturas humildes eram parte de suas brincadeiras de menina. Manja, esconde-esconde e outras formas de viver a vida, mesmo se entre milhares de mortos. Aluna de colégio de tempo integral, a defunta (como a apelidaram os colegas do estabelecimento militar) casou-se aos 17 anos. Mas não esqueceu a promessa feita à mãe, de que sua vingança às condições precárias em que passaram a viver, após a expulsão do chamado campo santo – seria dar-lhe uma vida menos dura, sobretudo uma Vida cercada de outras vidas. Agora, Viviane de Souza Monteiro, 27 anos e dois filhos, ingressa na atividade e no ambiente que tem como dever precípuo o de concretizar a Justiça. Em todos os seus matizes. E será uma das que, como tantas outras mulheres, se empenhará a fazer do Direito o mais legítimo caminho para a Justiça. É o que se pode esperar de quem transforma a morte alheia na vontade de cultuar e cultivar a Vida. Dela e de seus semelhantes.

Um pelo outro.5

O incômodo não vinha da confusão entre ele e outro dos seus contemporâneos. Afinal, o homem sabia das semelhanças que induziam ao equívoco de terceiros. Refiro-me à fisionomia, à aparência, aquilo que assalta os olhos do mais distraído observador. Havia outras convergências a alimentar e revigorar a confusão. Um e outro eram autores de livros. Ambos exercitavam o magistério. Não era a mesma a frequência com que os dois apareciam no noticiário ou percorriam o País, para serem ouvidos por plateias ainda interessadas nas coisas do espírito. Livros, valores éticos, interpretações da Vida, do Mundo e de suas gentes. Um, autor consagrado, habitava a metrópole; o outro não passava de um autor provinciano, de quando em quando chamado – não a ensinar – a dar palpite por dá cá aquela palha. A frequência com que este era tomado por aquele já sugeria não ser o segundo mais que mero plágio do primeiro. Um plágio produzido a distância. De qualquer maneira, não lhe restara outro ou qualquer traço de originalidade. Onde quer que o segundo homem fosse, lá ele sempre encontraria alguém ansioso por tocar-lhe as mãos; cumprimentá-lo. Dizer-lhe da admiração pelo que escrevia. Louvar suas últimas obras. Houve oportunidade em que, caída a ficha, ele desfez o pequeno grupo familiar (o casal e duas filhas adolescentes) que se preparava para documentar com imagem o inesperado, e tão ansiado encontro. Não, não sou eu a pessoa com quem vocês gostariam de ser fotografados. Mais não disse, interessado em que estava o homem-plágio de ver-se livre mais uma vez de constrangimento que se ia tornando corriqueiro. Incômodo, algumas vezes. Como aquela, em que os olhares de um casal estranho se estenderam do salão de embarque do aeroporto de origem até uma cidade distante milhares de quilômetros dali. Parecia uma perseguição, como a temos visto em tantos filmes de ação e violência. Frustrada a abordagem no ponto inicial da viagem, o casal cuidou para não perder de vista o objeto de sua curiosidade. Se não era mais que isso. Quando anunciado o transbordo para outro avião em ponto intermediário do voo, os cuidados dos observadores foram redobrados. Conseguiram parar em lugar de passagem obrigatória do plagiador involuntário. Só lá, um sorriso que quase não cabia no rosto da mulher e do seu acompanhante, lograram indagar: o senhor não é o professor Fulano de Tal? A resposta não poderia ter sido mais rápida – e frustrante: não! Há um engano. O quanto bastou para o resto da viagem eventualmente colocar dois olhares furiosos dos confusos passageiros sobre a causa de sua frustração. Não terá sido a primeira, sequer a última, oportunidade em que fato semelhante aconteceu. Houve momento em que a abordagem foi mais fácil, direta e inevitável. E o homem-plágio ouviu: O senhor não é o escritor? Mentir talvez dissipasse logo a dúvida dos interessados. Por que mentir? Sim, também escrevo. Imediatamente a mão do interlocutor estendeu-se em direção à mão do perplexo escritor de província. Acompanhava o gesto de cordialidade a frase constrangedora: Muito prazer, professor Içami Tiba. O prazer de conhecer a admiradora e os familiares que se preparavam para também saudar o objeto da admiração não autorizava mais uma vez a mentira. Não sou o professor Içami Tiba, mas não se preocupem, estou acostumado a esse equívoco. Começo até a perder a noção de quem eu de fato sou.

Uma lição de compaixão.4

Eu não saberia dizer se era uma criança, uma adolescente ou, mesmo, uma jovem adulta do sexo feminino, aparência difícil de definir a idade. O mal de que é portadora fazia-a ora correr pelos espaços entre as araras que sustentavam as peças de roupa. Com movimentos ligeiros, as mãos trêmulas apanhavam alguma dessas peças e levavam à mulher de meia idade atendida por uma das vendedoras. O som que saía da boca daquela pessoa jovem atestava existir nela enfermidade capaz de inclui-la no rol dos portadores de algum tipo de deficiência. Via-se logo, pois a aparência o dizia, não se tratar de uma portadora de doença de Dawn. Não tem os olhos rasgados, nem na face se destacam outros sinais dessa doença. Os corredores do estabelecimento eram percorridos por ela, repetidamente, com passos largos ou às carreiras, em velocidade diferente, a cada vez. Os braços, como apêndices soltos, sacudiam em movimentos aparentemente descontrolados.  Nem os gritos dela chamavam a atenção dos poucos clientes atendidos pelos vendedores. Estes não pareciam incomodados com a perambulação da moça(?), nem se percebia em qualquer dos presentes, fosse uma vendedora, fosse um outro funcionário da loja ou se tratasse de um dos clientes, qualquer sinal de aborrecimento ou desagrado. Não era isso, porém, o que mais chamava a atenção de quem dirigisse seu olhar para outro ponto que não fossem as vitrines, as araras ou as mesas em que as mercadorias estavam dispostas. Eram poucos os consumidores, já foi dito. Também eram poucos, pelos menos os vendedores dispensando a atenção e a gentileza postiças com que tratam a clientela. Dos outros funcionários, a presença perceptível era apenas a do segurança, postado à porta do prédio. Uma só pessoa atraia a atenção do observador. Dele não se poderia dizer ser o marido, o pai ou o irmão da moça que corria, apanhava alguma peça e a entregava à outra mulher. Alto, porte atlético, trajado com elegância extremamente simples, o homem acompanhava a corrida da moça(?). Ela corria; ele parecia contar os próprios passos – vagarosos, firmes, elegantes também. Furtivamente, os cantos de seus olhos percorriam o amplo salão dividido pelas araras e mesas onde repousavam as mercadorias. Uma vez que outra, dirigia a palavra (à moça?). Essa você já levou. Quem sabe ela gostaria de experimentar esta outra? Foi uma das frases com que o homem se dirigiu a ela. Outras ele terá dito, com iguais serenidade e delicadeza, mas não foi possível registrá-las. A compreensão do problema de saúde da acompanhante saltava aos olhos do observador ou de quem se dispusesse a apreciar as pequenas tanto quanto as grandes coisas da vida. Filha, irmã ou qual seja o grau de parentesco com o homem, valeu aprender uma das maiores lições de compaixão até aqui assistidas. Não havia um só indício de que o homem se perturbava com o mal que faz da outra uma pessoa diferente. Ele apenas revelava quanto pode a sociedade humana ser melhor do que se mostra. E quanto somos negligentes e impacientes, diante de males às vezes muito menos graves. No mundo e nas ruas está a melhor escola que se possa frequentar. Dá quase alegria invejar uma pessoa como aquele – pai? Irmão? O que importa, mais que o sentimento transparente de um homem, no salão de vendas? Creio que é a isso que se chama compaixão.

Empáfia

A mulher nem se deu o trabalho de desatar o cinto de segurança. O condutor do carro à frente, abalroado, dispôs-se a ir até ela. Com flagrante má vontade, a condutora do outro veículo baixou o vidro. Seu olhar desdenhoso mostrou em que altura econômica e social ela está pousada. Ou pensa que. De qualquer forma, gerou surpresa no interlocutor. À pergunta – e agora, minha senhora, como é que fica? – nada menos que uma tentativa de resolver o problema em comum acordo, a resposta levou a vítima do choque à perplexidade. Puta que pariu foi o que disse a mulher, do alto de sua empáfia. Não entendo sua linguagem, senhora. Aí, começava a escassear calma ao condutor do carro que ia à frente, naquela manhã ensolarada, o trânsito fluindo sem atropelo. Daí o prolongamento da interpelação. Que ambientes anda a senhora frequentando, cuja linguagem é tão pouco educada?  Não foi outra a reação da infratora: Pegue meu cartão de visita. Em seguida, entregou, com o ar desdenhoso antes assumido, o papelucho com o registro do nome e função pública da identificada. Membro do Poder Judiciário, com aquela providência pensou dar por finda sua conduta deseducada, grosseira, ilícita. O interlocutor – pensou lá a mulher com seus botões, se havia algum deles em seu traje caro e de elegância duvidosa – logo desistirá de postular a indenização do dano causado pelo abalroamento. Dele ela ouviu: chamo-me fulano de tal, trabalho em tal lugar. Mal sua interlocutora escondeu a surpresa. Passava ela de caçadora à caça. Fosse qual fosse a razão, o que deve ser dito é que seus modos passaram a ser menos agressivos. Estou me comunicando com meu filho, por telefone. O senhor espere, por favor. (O celular à mão comprovava a mudança de comportamento). Ele o procurará, se o senhor fizer o favor de informar o número do seu telefone. E tudo será resolvido. Foi o que bastou para provocar as despedidas. Aguardarei a chamada de seu filho. Também penso que isso facilitará uma solução justa para a questão em que, involuntariamente, fui envolvido. Passar bem... Chegado ao local de trabalho, o condutor do carro que trafegava na frente providenciou resposta ao telefonema recebido em sua ausência. E o filho da magistrada revelou discernimento e maturidade de que sua mãe fora incapaz. Não demorou mais que uma semana, até que o veículo danificado voltasse às condições anteriores ao incidente (porque a ocorrência não passou disso, além do palavreado chulo). Com a penosa circunstância do uso de veículo alugado, usado no seu dia-a-dia, até que a concessionária entregasse o carro, totalmente recuperado. Tudo, às expensas da pretensa dona do Mundo.

Duas frases, duas lições

Uma não tinha mais que quatro palavras; a outra continha cinco. Um dos garotos não teria mais que nove anos. Sete era quanto o outro contava. Os locais não poderiam ter sido mais díspares – à entrada de uma livraria estava o segundo dos meninos. O outro esperava com sua mãe o atendimento da neuropediatra. O menor, sentado em pequena cadeira das quatro arrumadas em torno de mesinha quadrada, aguardava o pai. Este visitava com calma todas as fileiras de estantes. Um leitor que faz a alegria dos que escrevem. O maior estava no consultório, pelas dificuldades que vinha encontrando, no processo de aprendizagem. Com essas palavras a mãe justificou a presença dela ali. De comum às duas cenas, portanto, apenas o observador. Que se tornou aluno e teve como professores duas crianças. Talvez se possa dizer comum uma outra circunstância. Cada um deles fazia-se acompanhar de um dos pais. O garoto de sete anos presumíveis saíra na manhã daquele sábado com o pai-leitor. A mãe, em uma tarde qualquer, levava o filho em busca de melhorar-lhe o desempenho escolar. O adulto observador chegado, mal entrara na livraria, avistou a criança. O enfado transparecia no rosto infantil. Seu desagrado não correspondia ao sorriso silencioso com que o pai pagava aos olhos a felicidade de topar com alguma obra logo após retida em suas mãos. É certo que sairia dali com alguns exemplares. Uma das vantagens oferecidas pelo estabelecimento era o pagamento parcelado. A mãe mal escondia seu desconforto. Não lhe parecia agradável recorrer à neuropediatra, mas não encontrara outra maneira de resolver o que lhe parecia grave problema. O filho era lento no aprender. Números não eram objeto de sua admiração, se não lhe causavam certa ojeriza. À pergunta recorrente (qual o melhor amigo do homem?), ambos os meninos responderam de forma tão diferente – e tão igual. Isso mesmo: diferentes na aparência, a reação das crianças tinha algo que nem todos os professores (o interrogador inclusive) apreendem quando e quanto necessário. Nos dois casos, o interrogatório começou com a pergunta, a que logo se seguiram outras. A resposta a todas elas, de um e do outro, não foi mais que o silêncio. E certo olhar de desdém dos interrogados. Na inocência própria da infância. O pai pegou o filho pela mão e o levou à porta da livraria. Antes que pai e filho transpusessem a soleira da entrada, a resposta que parecia pronta e guardada como a arma que se esconde até a hora do disparo, saiu firme: mas ele não é vivo! À mãe do outro menino ocorreu de ficar um pouco perplexa com a reação do filho. Mas o gato interage comigo. Foi tudo o quanto ele disse ao interrogador. O fato de cão e gato fazerem ruídos desagradáveis; exigirem trato especial em consultórios veterinários; ameaçarem sujar limpas roupas com suas patas nem sempre bem-educadas – nada disso pesou na consciência dos dois pirralhos. Com simples e profundas frases, eles falaram da Vida. E abriram para o interlocutor as luzes que iluminaram a partir daí sua percepção do Mundo.

Vontade e instinto

Não sei como o minúsculo pássaro entrou ali. Talvez tenha perdido o rumo e passou pelo primeiro espaço aberto diante de seus olhos. O fato é que o encontrei perdido. Ele, que parece conhecer e dominar todo o espaço aéreo, agora batia as asinhas mais aceleradas. Quando meus olhos deram conta de sua presença, ele repousava sobre o fio da luminária que pendia do teto e sustentava a lâmpada, a luz derramada sobre pequena e redonda mesa de madeira. Parecia o trapezista de O circo dos horrores, que Burt Lancaster tão bem representou. (Ou terá sido Trapézio, Carol Reed,  1956?). Compreendi que o beija-flor nem sabia do ator, muito menos de que Gina Lollobrogida era sua companheira na aventura circense. Intuí: o pequenino animal pousava por segundos, no único apoio encontrado para compensar o esforço por encontrar uma porta de saída. Pensei em orientar sua fuga, ele feito refém de pessoa alguma. Fora ali não por sua própria vontade – se o leitor me entende. Suponho que ele, o leitor, não o animalzinho alado, também não crê na possibilidade que um outro animal que não o homem, tenha também vontade. Nem isso vem muito ao caso ou à história que sobre ele se pode escrever. Fosse outro o observador, é quase certo que encontraria jeito melhor de ajudar o beija-flor. Não ocorreria ao humano condoído de apanhar uma vassoura, na ingênua hipótese de com ela ajudar o refém com asas cansadas. E o espaço era tão pequeno. Felizmente, valeu desistir de dar ajuda ao que dela não precisava. Ao voltar à sala, recolocada a vassoura em seu lugar de repouso, o instinto do beija-flor já o livrara da situação constrangedora. Convenci-me, então, de que nem sempre a vontade é mais eficaz que o instinto.
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